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9 perguntas para a autora Rosinéia Auxiliadora sobre seu livro

Políticas Linguísticas no ensino bilingue no Alto Solimões.

Confira a entrevista exclusiva da pesquisadora Rosinéia Auxiliadora para a Editora Dialética sobre o seu livro ‘Políticas Linguísticas no Ensino Bilíngue no Alto Solimões’.

 

A diversidade cultural e linguística do Brasil é um dos pilares da identidade do país, e isso se reflete também na educação indígena. No coração da região do Alto Solimões, as escolas indígenas enfrentam um desafio constante: como conciliar as políticas linguísticas nacionais com a preservação de suas identidades culturais e linguísticas únicas?

As políticas linguísticas nacionais têm um profundo impacto nas escolas indígenas dessa região, onde se busca a implementação de um currículo intercultural e bilíngue. 

Essas políticas não apenas moldam o ensino das línguas, mas também exercem um poder simbólico significativo na formação dos estados nacionais. 

No cerne dessa questão está a interculturalidade, que se manifesta não apenas como um diálogo entre culturas, mas como uma zona de conflitos, onde diferentes e dinâmicos universos culturais se confrontam.

Enquanto as políticas reguladoras promovem a educação bilíngue/intercultural, os agentes da educação indígena enfrentam uma árdua batalha para construir um sistema educacional que preserve suas identidades culturais e valorize acima de tudo a língua falada por seu grupo étnico. 

Nesta reportagem, você irá explorar as complexidades desse processo com Rosinéa Auxiliadora Pereira dos Santos. A pesquisadora e especialista no assunto é autora do livro ‘Políticas linguísticas no ensino bilíngue no Alto Solimões‘ e será sua guia na jornada de descoberta e reflexão sobre a interseção entre políticas linguísticas, identidades culturais e educação nas comunidades indígenas da região. Confira na entrevista exclusiva da autora para a Editora Dialética:

Rosinéia Auxiliadora
Rosinéia Auxiliadora publica livro sobre diversidade cultural e linguística. Foto: Arquivo Pessoal

Dialética: Quais foram as principais motivações que te levaram a estudar as políticas linguísticas no contexto do ensino bilíngue no Alto Solimões?

 

Rosinéia: Desde 2015, quando vim morar no município de Tabatinga – AM, comecei a ter contato com os acadêmicos de diversas etnias indígenas nos cursos de licenciatura em Letras e de Pedagogia na Universidade do Estado do Amazonas.

A partir de então, passei a refletir sobre as formas como eles administravam as línguas em suas interações, pois os indígenas manifestavam maneiras distintas de se relacionar com o não indígena ou com outra pessoa de etnia diferente.

Foi aí que eu comecei a perceber que o ensino voltado para os indígenas, deveria ser organizado conforme as politicas linguísticas determinadas na comunidade de fala, pois o contexto do Alto Solimões é complexo linguisticamente em virtude do contato de línguas.

 

Dialética: Como as políticas linguísticas nacionais impactam a educação indígena?

 

Rosienéia: No passado línguas dos povos originários foram proibidas de serem faladas para que a língua portuguesa fosse implantada no Brasil e a consequência disso foi, de um lado, o desvozeamento das línguas indígenas, pois seus falantes foram proibidos de falá-las para forçosamente adotar a língua portuguesa; e por outro lado, outras línguas foram silenciadas em virtude da extinção do seu povo.

Com o passar do tempo, os clamores desses povos começaram a ser ouvidos e cada vez mais eles foram ganhando visibilidade no país e seus direitos linguísticos passaram a ser reconhecidos. A condição tutelar dos indígenas foi abolida com a constituição de 1988, ao reconhecer as culturas indígenas como parte da nação do Brasil.

Houve, com isso, a modificação das relações sociais entre os grupos indígenas e os demais brasileiros, uma vez que a perspectiva civilizatória dos indígenas, típica da cultura eurocêntrica, deixou de ser o alvo.

Isso possibilitou a abertura de espaço para o fortalecimento e valorização dos grupos étnicos, reconhecendo suas capacidades cognitivas afetivas, históricas e identitárias e o incentivo ao resgate de memórias reprimidas e sufocadas pela arrogância daqueles que se consideravam “civilizados”.

Portanto, as políticas linguísticas nacionais são importantes na preservação de uma língua, uma vez que elas reconhecem as línguas dos povos indígenas na Constituição Federal.

A partir de 1988, isso foi uma grande vitória, pois com elas é possível conservar as línguas étnicas, possibilitando que cada povo vivencie as suas culturas no seu território e é possível discutir o uso da língua no espaço escolar. O produto dessa conquista é uma educação escolar indígena com mais qualidade.

 

Dialética: Como essas políticas determinam o currículo intercultural e o bilíngue nessas escolas?

 

Rosinéia: Houve o reconhecimento da diversidade étnica e linguística na Carta Magna brasileira. Todavia, essa  lei determina que “a língua portuguesa” é a língua para a instrução na educação básica por ser a língua oficial.

Isso faz com que, mediante a seguridade dada aos indígenas de usar a língua do povo conjuntamente com a língua portuguesa, haja obrigatoriedade do ensino bilíngue para as populações indígenas.

Neste contexto, a língua imposta na forma da lei toma a forma de uma ação política passível de alcançar a homogeneidade linguística garantindo que todos pertencentes a uma grande nação possam comunicar-se fluentemente. Assim, essa política linguística determinada pelo Estado tem um duplo viés.

O primeiro consiste em sua relação com as práticas cotidianas nas quais há uma regularidade relacionada ao conjunto de regras interacionais fluidas e dinâmicas, visto que se modificam através do tempo.

Já o segundo, há a interferência do Estado ao verticalizar as relações entre as línguas, cujo propósito é impor prestígio sobre determinadas línguas. Ou seja, o Estado age como agente regulador da língua, quando padroniza uma determinada língua ou intervém nas relações interativas entre as línguas no território.

A regularidade sobre como essas línguas serão gerenciadas na escola indígena é organizada no currículo, respaldado pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular) na medida em que ela defende que esse documento deve englobar a diversidade cultural, étnica, linguística nas práticas educativas. Portanto, as escolas indígenas devem incluir suas línguas e saberes no currículo.

 

Dialética: Você menciona que as línguas têm um poder simbólico na configuração dos estados nacionais. Como isso se manifesta?

 

Rosinéia: Quando surge um Estado nacional, uma língua é eleita como oficial. Essa língua constroem sistemas simbólicos do mundo social, porque ela passa a ser uma ferramenta de conhecimento e de comunicação.

Nessa forma de organização, nascem as gramáticas, o dicionário, ou seja, as formas de bem falar e bem escrever.

É nessa forma de propagar discursos sobre a lealdade à língua é que podemos ver o poder simbólico como um poder de construção da realidade das interações entre as classes sociais e suas formas de dominação, como afirma Bourdieu.  

 

Dialética: A interculturalidade é um elemento central no ensino de línguas. Como você vê a relação entre língua e cultura no contexto das escolas indígenas do Alto Solimões?

 

Rosinéia: A sociobiodiversidade do Alto Solimões é bastante complexa, em virtude da diversidade de povos indígenas e comunidades tradicionais como populações indígenas, pescadores, tripulantes, comandantes e tripulantes de barco, agricultores, viradores de tartarugas, extratores de madeira, pais e mães de santo entre outros.

Levando em consideração essa riqueza cultural, podemos considerar que há uma simbiose entre língua e cultura, uma vez que não há como separar esses dois fenômenos na medida em que a cultura se manifesta através da língua.

Dessa forma, a interculturalidade no currículo bilíngue para os indígenas possibilita o diálogo entre as diversidades étnicas e culturais dos povos, além de garantir a interação entre as diferentes línguas.

Portanto, a interculturalidade enriquece as maneiras como os povos originários interagem entre si e com os não indígenas por meio dos processos de uma pedagogia diferenciada amparada pelas diversificadas formas de linguagens. 

 

Dialética: O livro é acessível para leitores com diferentes níveis de conhecimento sobre o assunto?

 

Rosinéia: Com certeza. O livro Políticas linguísticas para o ensino bilíngue no Alto Solimões apresenta uma realidade de uma região amazônica, rica em culturas e socialmente complexa.

 

Dialética: Em sua opinião, como sua pesquisa contribui para um melhor entendimento das dinâmicas educacionais e culturais nas comunidades indígenas do Alto Solimões?

 

Rosinéia: A minha pesquisa contribui para um melhor entendimento das dinâmicas sociais das seguintes formas:

a) apresenta uma visão do ensino bilíngue a partir de parâmetros ecolinguístico, ao relacionar a importância de se conhecer o território, a língua e o povo para se delinear um currículo diferenciado;

b) apresenta como as políticas linguísticas se delineiam no cotidiano de uma comunidade de fala;

c) e por fim, apresenta um perfil sociolinguístico de um grupo ético e suas formas de se relacionar com as línguas em contato.

 

Dialética: Com base nas descobertas de sua pesquisa, quais são as recomendações ou reflexões que você gostaria de compartilhar com outros pesquisadores, educadores e formuladores de políticas específicas na área de educação bilíngue e intercultural?

 

Rosinéia: Primeiramente, devemos pensar que cada povo tem realidades de contato linguístico diferenciados.

Por exemplo, aqui no Alto Solimões, podemos encontrar indígenas monolíngues na língua étnica, pois nunca saíram de suas comunidades indígenas para a zona urbana; há aqueles indígenas fluentes na língua nacional e na língua do povo, em virtude do trânsito contínuo entre a comunidade indígena e a cidade; assim como, há indígenas que só falam português. Então o ensino bilíngue deve ser baseado na ecologia linguística de cada povo em contato com línguas.

Portanto, devemos construir nossas reflexões do ensino bilíngue partindo da concepção da pluralidade de formas de interação social das línguas em contato.

 

Veja também: Bate Papo com a autora: Rosinéa Auxiliadora Pereira dos Santos

 

 

Dialética: Em termos de publicação do livro e questões editoriais, como foi a experiência de publicar sua pesquisa como livro? 

Rosinéia: A publicação da pesquisa é um caminho para que pesquisadores possam trocar conhecimentos e assim conhecer outras realidades.

Assim, ao publicar meu livro tive a oportunidade de contribuir com as pesquisas na área de políticas linguísticas em território amazônico, o que se caracteriza para mim como uma experiência desafiadora.

Publique seu livro com a Editora Dialética!

 

 

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