Blog da Editora Dialética

Professor Guilherme Ferreira Silva fala em entrevista sobre seu livro “Outro Direito Ambiental”

Outro Direito Ambiental

O livro “Outro Direito Ambiental: Além do Antropocentrismo“, de Guilherme Ferreira Silva, tem a premissa de suscitar discussões no cenário jurídico e ambiental. 

 

Ao desafiar as perspectivas tradicionais sobre o direito ambiental, a obra explora dimensões que vão além do antropocentrismo, e chama a atenção por sua abordagem inovadora e provocativa.

 

Guilherme Ferreira Silva desafia as noções convencionais de direito ambiental para explorar discursões mais amplas e inclusivas em relação à proteção do meio ambiente.

 

Além de discutir os principais temas envolvidos em sua obra, esta matéria explora um momento muito significativo para o autor. Guilherme Ferreira Silva, recentemente, teve a oportunidade de entregar pessoalmente uma cópia de seu livro ao Ministro Edson Fachin, figura proeminente no cenário jurídico brasileiro.

 

Em entrevista para a Editora Dialética, o professor explora os fundamentos de sua obra e a visão dele sobre o debate ambiental contemporâneo. Confira abaixo:

 

Guilherme Ferreira Silva
Guilherme Ferreira Silva é professor do Instituto de Defesa da Cidadania e Transparência/Foto: Arquivo Pessoal

 

Dialética – Qual foi a motivação que o levou a escrever um livro que questiona o antropocentrismo no Direito Ambiental em meio à crise climática?

 

Guilherme – Para ser sincero os fatores não perpassaram pela crise climática ou outros problemas que tornarão a existência humana inviável no futuro.

Ao estudar alguns tópicos de direito ambiental para lecionar a matéria na graduação, percebi que algumas premissas que a maioria dos autores partem, bem como o sentido que o legislador e jurisprudência adotam, iriam de encontro com o cerne do pensamento de Emmanuel Lévinas (autor que estudei durante o mestrado).

Penso que paralelamente, até mesmo de forma muito coerente com o que defendo no livro, também fui afetado pela experiência com a natureza e suas manifestações que não seja o próprio homem.

O fato da Amora (uma cadela, que era para ser presente para minha mãe) ter entrado na minha vida em 2013 trouxe uma experiência que eu precisava para pensar a questão por uma ótica que fugisse do simples materialismo de termos condições físicas de sobreviver com os “recursos ambientais”.

Em uma linguagem reta, é meio que sobre isso o livro, percebermos a experiência com outro que não seja o igual, o totalmente diferente.

Nesta mistura teórica e da afetação, acabei me envolvendo com as dúvidas que surgiam e sobre uma resposta a este antropocentrismo que guia a sociedade pós-moderna.

 

Dialética – Pode compartilhar um pouco sobre o processo de pesquisa e escrita envolvido na criação deste livro?

 

Guilherme – O livro é resultado de uma pesquisa para titulação de doutorado, porém, como estou dizendo, o processo tem início antes. 

Em 2015, cerca de 1 ano e meio após o término do mestrado, comecei a investigar o pensamento que funda o direito ambiental e o justifica, ao mesmo tempo que busca resposta em Emmanuel Lévinas sobre a questão. 

O Grupo de Pesquisa em Emmanuel Lévinas, anteriormente vinculado à Faculdade Jesuíta e coordenado pelo professor Nilo Ribeiro teve papel importante. Ao colocar a questão aos colegas, tive a impressão de que estava diante de uma abordagem inédita, pelo menos sob o olhar do filósofo franco-lituano.

A partir daí, de forma autônoma mantive algumas leituras, alguns fichamentos até o ingresso no doutorado na UFMG em 2019, sob a orientação da professora Maria Helena Megale, quem possui décadas de experiência em hermenêutica jurídica.

Como muitos pesquisadores do Brasil, sem apoio financeiro público, conciliar o exercício do serviço público, a docência e a pesquisa não foram fáceis.

A pandemia ainda trouxe mais nuances para este processo. Apesar de tudo, sentia que era privilegiado, tanto por ter iniciado o processo antes de entrar no programa da pós, quanto por ter condições materiais básicas, ainda que com altos e baixos emocionais no primeiro ano da Covid-19.

Destaco que ter Amora, a Margarida, Haroldo (gatinhos que chegaram depois) e Ana Cecília, minha companheira, foi primordial para aliviar as extensas horas de solidão que a pesquisa e escrita envolvem.

Sobre o processo mais específico, certo é que, para mim, a disciplina é que determina a qualidade e profundidade com que vou escrever. Comigo não adianta separar um dia isolado para tentar render oito horas. De forma contrária, aprendi ouvindo Jô Soares que a escrita não é um chamado repentino, é um exercício, em que precisamos separar um momento para escrever, ainda que seja tudo inútil e descartado depois.

Assim que eu buscava não ficar mais do que três dias sem ler e fazer anotações. Sempre escrevendo ou reescrevendo, tomando nota do que eu lia, para não perder ideias que surgiam e nem bons apontamentos dos autores pesquisados. Uma a três horas por dia, cultivando e tentando gestar ideias.

Vale dizer também, que, inserido no universo jurídico, sempre me incomodou a leitura truncada, difícil, excludente, com excessos que parecem ser apenas para demonstrar erudição. Por outro lado, eu tinha um desafio, escrever sobre três áreas (ecologia, direito Ambiental e filosofia), com a necessidade de não banalizar conceitos abstratos que possuem propriedades bem específicas. 

Neste contexto, a tentativa foi sempre dizer da maneira mais precisa possível e depois ir redizendo, explicando, procurando palavras que fossem mais democráticas possíveis. Não posso dizer que é um texto popular, mas tenho certeza de que é uma escrita que busca acolher pessoas que não são do direito ou da filosofia, sendo possível acompanhar os passos que dei, com diversas passagens que acredito que agregam à maioria dos leitores, com um panorama do direito ambiental, de um pensamento ético da alteridade e um caminho possível para agirmos contra o império do homem egoísta. 

 

Dialética – Quais foram os desafios mais significativos que você enfrentou ao conduzir sua pesquisa e escrever o livro?

 

Guilherme – Tirando toda a parte prática da escrita que citei acima, tive diversos desafios típicos da pesquisa científica que entendo como séria.

Por exemplo, a própria desconstrução interna de que não era tão simples quanto imaginava rotular antro, bio e ecocentrismo, bem como classificar onde estamos inseridos nisso tudo. É certo que majoritariamente estamos pautados em normas que são antropocêntricas, mas, isso não é linear, há nuances e mitigações, e, inclusive, a dificuldade de dizer o que é ser biocêntrico ou ecocêntrico.

Penso que também encontrei muita dificuldade em construir um pensamento levianasiano no qual o próprio autor praticamente não abordou a temática. O fato de ser uma leitura inédita já traz essa dificuldade, considerando que pouquíssimos autores buscaram em Lévinas uma alteridade que olhe para o Rosto do não humano.

Aqui, a pequena paixão que tinha por Derrida só aumentou. Era como se estivesse na França, país que não conheço e não falo a língua, vendo os dois autores conversando, mas sem que um respondesse ao outro. Nesta fantasia ficou mais fácil romper fábulas sobre os animais e a natureza, deixando com que eles falassem por si, na tentativa de descrever um pouco sobre esse fenômeno e como imaginar caminhos para o reconhecimento de direitos da natureza e animais. A Différance derridiana me tocou e tentei deixar o traço falar por si.

Esse desafio não foi difícil só pela construção, mas também por duas variáveis reducionistas comuns: 1) vários leitores de Lévinas que não admitem a ideia defendida; 2) e mimetização sobre a valoração de outras formas de vida e o reconhecimento de seus direitos.

Quanto ao primeiro, só tenho a agradecer, sem ironias, uma vez que esses pesquisadores possuem argumentos muito sólidos. O texto é uma resposta às caretas e objeções, muito provavelmente teria feita algo menos sólido se não tivesse as dúvidas lançadas. A melhor maneira de escrever algo interessante é estar cheio de dúvidas. 

No segundo ponto, o desafio permanece, tanto para dizer que não defendo só um direito dos animais e que não é apenas porque a Amora é fofinha e linda. Não é fácil romper esse pensamento que o Eu é o centro de tudo. O caminhar para testemunhar as diversas formas de vida é duro, é uma forma de contar uma próxima história – como diz Ailton Krenak – e manter viva a utopia.

 

Dialética – Você identificou alguma lacuna no conhecimento existente que seu livro procura preencher? Em caso afirmativo, como seu livro aborda essa lacuna?

 

Guilherme – A lacuna, se assim podemos dizer, está no plano teórico de Lévinas. Alguns autores buscam isso no campo da filosofia, e eu tentei no Direito Ambiental. Parece até prepotente falar isso, porque Derrida estava entre eles.

Então a lacuna que tento superar é afirmar que o Rosto do Outro não é apenas a face de um humano, mas as manifestações de vida que me interpelam e exigem de mim Responsabilidade nas ações. E isso tem que trazer implicações se imaginarmos um Direito justo.

A partir daí, não diria que há um preenchimento de lacuna no Direito Ambiental, mas a proposta de um outro olhar, de um novo argumento, de uma tentativa de proteção que não seja antropocêntrica. 

Vale dizer, neste ponto, não sou inédito e nem único, muito pelo contrário, há uma quantidade expressiva e mais profunda do que meu texto. O que talvez seja particular é a abordagem pela alteridade radical sobre valores ambientais. 

Como eu disse, a pretensão é pequena, é lançar um argumento, que auxilie nessa proteção do meio ambiente, da natureza, dos ecossistemas… quem sabe seja justificativa para acabar com as permissividades que geraram a agressão brutal ao Rio Doce aqui em Minas Gerais?

 

Dialética – Recentemente o senhor presenteou o Ministro Edson Fachin (STF) com o seu livro. Como foi esse encontro? 

 

Ministro Edson Fachin
Guilherme Ferreira Silva, presenteou o Ministro Edson Fachin (STF) com o seu livro, publicado pela Dialética/Foto: Reprodução.

 

Guilherme – Um dia único né? Conheci a capital federal, o Supremo, estive lado a lado de diversos ministros e, para coroar, algumas frases com Edson Fachin e presenteá-lo com o primeiro de todos os livros impressos. Eu não acreditaria nisso há alguns anos.

O convite da visita veio do Desembargador Federal Álvaro Ricardo de Souza Cruz, que é um dos meus orientadores e com quem trabalho no TRF6. Como ele faria junto com o ministro um evento de lançamento de obra comemorativa aos 35 anos da Constituição, então ele sugeriu uma visita com sua equipe ao Gabinete do Ministro.

Não poderia perder a oportunidade, pedi à equipe da Dialética para acelerar o processo, e em cima da hora consegui levar duas impressões. 

Esse presente não é só para ter uma foto, ele veio com a compreensão de que o ministro Fachin possui textos sobre o assunto, tem dado votos importantes, com um viés que caminha pela superação do antropocentrismo. Então o objetivo e esperança gira em torno de quem sabe trazer algum novo argumento para impactar nas decisões do STF. 

Pesquisa acadêmica serve para isso, propor mudanças no mundo em que vivemos.

Enfim, o Ministro e sua equipe nos atendeu muito bem, ficou claro que temos ali um espaço de reflexões humanistas e pós-humanistas na hermenêutica jurídica. Sai de lá acreditando que vale a pena estudar, escrever e participar da construção por novos caminhos.

 

Dialética – No seu livro, o senhor faz um convite para “romper o pensamento antropocêntrico”. Como você propõe que os leitores façam isso e quais ações práticas podem ser tomadas para promover essa mudança de perspectiva?

 

Guilherme – Se pegarmos no próprio livro, há algumas formas que misturam perspectivas jurídicas com a ecológica e filosófica.

É comum no universo do direito que as pesquisas resultem em propostas de alterações normativas ou crítica a decisões judiciais. Essas questões estão lá, e penso que são maneiras de romper este pensamento antropocêntrico no Direito.

Mas também busquei algumas reflexões que passam por temas que são muito importantes na maneira como vejo o Estado. Assim, a partir da leitura do princípio da solidariedade e sustentabilidade que seja plural nos valores jurídicos tutelados, que afaste o homem da posição central, comento como políticas públicas podem ser instrumentos de modificação da cultura e de impacto para a tutela de ecossistemas, por exemplo.

Temática que gosto muito é a alimentação. Desde a qualidade do que comemos ao modo de produzir. E, quanto a isto, penso que o Poder Público teria diversas formas de fomentar uma produção alimentar que não seja baseado na destruição ambiental. 

Na primeira pergunta foi citada a questão da mudança climática e, veja, a principal problemática que o Brasil enfrenta sobre o tema refere-se ao desmatamento, que está muito ligado ao modelo agrícola e grilagem de terras.

Se analisarmos que a União injeta bilhões de reais na agricultura, podemos direcionar o que valoramos, o que queremos que seja protegido. Parece muito razoável que modelos de produção alimentar como agrofloresta sejam estimulados, num sentido de transitar do modelo atual para um que tem uma visão sistêmica e ampla dos valores envolvidos. 

Dito de uma outra maneira, este exemplo que estou pinçando pode ser um caminho para sermos ético através das instituições. É mostrar o Amor ao próximo.

O leitor pode estranhar agora, eu estou falando de filosofia, proteção ambiental, institutos jurídicos e citei o Amor, com A maiúsculo, para referir a uma diretriz jurídica. Mas, neste ponto, estou cem por cento com Lévinas, a atual sociedade gastou a palavra Amor, a colocou num patamar da projeção. 

Vejo totalmente diferente. Amar é agir a partir de uma escolha, para acolher, para ser hospitaleiro com aquele que exige de nós um desafio exatamente porque é diferente de nós. O que não podemos escolher é o clamor do Outro, o pedido por comida e hospitalidade. São diversos elementos naturais que estão intercedendo por uma guinada do homem no modo como se relacionar com a natureza.

Quer desafio maior do que proteger um ecossistema porque existem vidas ali e que não damos importância imediata? Ser afetado pelo Rosto do Outro é sair da zona de conforto não porque somos racionais, mas porque tem um Outro que vai marcar sua posição no mundo. Esse Outro está ali, nem que seja parado por décadas, como uma árvore. E esse Outro está perguntando a nós, como vamos agir como ele? Com responsabilidade e justificação diante de sua existência ou com aniquilação? Essa é a o principal que gostaria de deixar com o livro, vamos Amar somente a nós mesmos?

 

Dialética – Em termos editoriais, sobre a publicação do seu livro, como foi a sua experiência no geral?

 

Guilherme – Experiência muito boa. Toda a equipe da Dialética demandou esforços para que o trabalho seja entregue ao leitor muito bem editado. Vale ainda a nota de agradecimento aos envolvidos que, diante daquela possibilidade de encontrar o Ministro Edson Fachin, colaborou fortemente para que a edição ficasse pronta em tempo hábil.

Espero que quem tenha contato com o livro tenha a mesma impressão que eu, de serem páginas agradáveis à leitura, com aquele prazer em passar para a próxima folha.

 

Publique seu livro

 

Assim como Guilherme Ferreira Silva, cujo livro “Outro Direito Ambiental: Além do Antropocentrismo” desafia paradigmas, a publicação de livros acadêmicos é uma ferramenta poderosa para promover mudanças e inspirar reflexões profundas.

Publique seu livro!

 

Publique livros

 

Quer receber mais conteúdos excelentes como esses de graça?

Inscreva-se para receber nossos conteúdos por email.

Newsletter - Blog
Avenida Brigadeiro Faria Lima, 4.221 - 1º andar, Itaim Bibi, São Paulo - SP, 04538-133 // Telefone: (11) 4118-6308