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Leôncio Vasconcellos lança livro sobre “Medievo Violento”

5 min de leitura

Poucos períodos despertam tanta curiosidade e fascínio quanto a Idade Média, um período repleto de complexidades, contradições e, infelizmente, violência. O autor Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho mergulha de maneira profunda e provocativa nesse cenário sombrio com sua obra “Medievo Violento: Reflexões sobre o Uso do Conceito de Violência para o Estudo do Período Medieval“. 

A partir de uma perspectiva que abarca tanto a Antiguidade Ocidental como os confins do período medieval na Europa, o livro não apenas traça um panorama abrangente, mas também oferece uma análise penetrante das diversas formas de violência que permearam essa era.

Em entrevista para a Editora Dialética, Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho a compartilhar suas visões e insights sobre o livro que investiga as raízes da violência religiosa e ideológica que moldaram o destino da humanidade durante esses séculos tumultuados. 

Ao mergulhar nessa conversa, o leitor é convidado a refletir não apenas sobre o passado, mas também sobre o mundo em que vive hoje. A obra é uma jornada fascinante através do tempo e do pensamento, guiada por um autor perspicaz que desafia o leitor a olhar além do óbvio e a compreender a complexidade da natureza humana em sua busca contínua pela verdade e poder. Confira a entrevista:

Dialética: Como surgiu o interesse em abordar o conceito de violência no contexto medieval? Qual é o motivo para explorar esse tema em particular?

 

Leôncio: O interesse em abordar o conceito da violência no período medieval surgiu do fato de querer mostrar que ela é intrínseca ao ser humano, não importa a época ou o nível de conhecimento.

A Idade Média é conhecida por “Idade das Trevas” pelo fato de muito do conhecimento humano até então adquirido ter sido perdido nas invasões bárbaras. E os que estavam no poder usavam de violência para nele se manterem, como hoje, com um conhecimento incomparavelmente maior.

Muitos Estados hoje são totalitários, como era a Igreja na Idade Média. Daí, percebemos como se comporta o ser humano com seus iguais.

 

Dialética: Como foi o processo de construção dessa pesquisa? Você enfrentou desafios para desenvolvê-la?

 

Leôncio: Não enfrentei desafios. Apenas uma comparação com a História recente. Os medievais eram proporcionalmente mais violentos que nós devido ao fanatismo da época.

Entretanto, em termos absolutos, o século XX foi o mais violento da História, dadas as armas empregadas em suas horrendas guerras, incluindo os holocaustos nucleares de Hiroshima e Nagasaki. Hoje mesmo enfrentamos o risco de uma guerra nuclear total.

Portanto, não importa a época ou o contexto enquanto, como disse De Gaulle, Estados não tiverem amigos, e sim interesses: permanecendo deste modo, infelizmente a força bruta continuará a exercer mais papel na resolução de conflitos que qualquer forma de diplomacia.

O que digo agora pode parecer chocante, mas é a verdade: a violência resolveu mais conflitos de interesses História afora que qualquer meio diplomático. Seja na Idade Média ou agora.

 

Dialética: A obra se concentra em um resumo do período medieval na Europa, tendo como base a Antiguidade Ocidental. Como você abordou essa transição histórica e quais foram os principais pontos de continuidade e ruptura que você concordou?

 

Leôncio: Os medievalistas costumam destacar como ponto de ruptura entre a Antiguidade e a Idade Média o ano 476 d.c., quando Roma caiu nas mãos dos bárbaros, especialmente os germanos.

Este é o principal ponto de ruptura, pois a partir de então houve uma grande descentralização de Poder, com a formação dos feudos, sob o domínio político dos senhores feudais (mas religiosamente dirigidos pela Igreja Católica Romana, que substituiu o Estado Romano nas questões religiosas), feudos estes que atingiram seu auge na Baixa Idade Média, por volta do ano 1000 d.c. É importante destacar que na Idade Média como um todo a Europa estava dividida não em países, mas em feudos.

E a Igreja usava mão de ferro para manter seu domínio em quase todos,   mesmo que seus “proprietários” fossem os senhores feudais.

Creio ser este o principal ponto de ruptura: a própria passagem da Antiguidade para a Idade Média, com a substituição da direção religiosa do Estado Romano para a Igreja Católica Romana, cujas crenças originaram a Inquisição e outros tipos de perseguição, todos típicos do Medievo.

 

Dialética: A violência religiosa é destacada como um tema central na obra. Você poderia fornecer alguns exemplos específicos de episódios de violência religiosa no período medieval que você analisa no livro?

 

Leôncio: O maior exemplo de violência religiosa é o próprio conceito de violência: tudo o que fosse feito contra os interesses da Igreja, por mais brando que fosse, era considerado violento.

E tudo que fosse favorável à dita Instituição, tivesse qual nível de brutalidade fosse, era tido por legítimo. Basta verificarmos como os senhores feudais tratavam seus servos, ou mesmo seus vassalos, e depois se expiavam religiosamente, a fim de expurgar tais pecados.

 

Dialética: Qual foi a abordagem metodológica que você utilizou para examinar e compreender a violência no contexto medieval? Quais foram as fontes primárias ou secundárias que guiaram sua pesquisa?

 

Leôncio: A abordagem metodológica originou-se na famosa frase do filósofo inglês Thomas Hobbes, segundo o qual “o homem é o lobo do homem”.

Daí origina-se toda forma de totalitarismo, seja religioso – como era na Idade Média em seu inteiro período – seja ideológico, que marcou todo o século XX (O grande historiador britânico Eric Hobsbawm  já havia dito que o século XX começou com a Primeira Guerra Mundial e terminou com a dissolução da URSS, em 1991.

Então, no pensamento de Eric, fatos, e não cronologia mental – como a divisão do tempo em anos e séculos, por exemplo – determinam uma Era ou Idade.

Assim, a violência religiosa da Igreja, que já tinha sido aceita no Estado Romano, caracteriza o período medieval, e não, necessariamente, o período de 476 d.c. até 1453 d.c., com a tomada de Constantinopla.

São essas as principais duas fontes, embora não referenciadas na bibliografia, além, é claro, das ali expressas.

 

Dialética: Quais são algumas das dicas ou reflexões mais impactantes que você espera que os leitores retirem após a leitura do seu livro?

 

Leôncio: O que espero é que os leitores reflitam que nada é absoluto, nem mesmo a crença em Cristo: por exemplo, se o leitor tivesse nascido na Babilônia teria acreditado, provavelmente, no deus Marduk.

Se nascesse na Grécia Antiga, creria em Zeus e seus outros deuses e semideuses. Se houvesse existido na Índia há cerca de 2500 anos, acreditaria em Krishna.

Como nascemos no Ocidente dos séculos XX e XXI, cremos em Cristo em um Estado laico – laicidade muito benéfica, eis que permite o exercício de quaisquer crenças e religiões sem a interferência do Estado.

Sobretudo, quero que saibam como somos privilegiados por ter nascido num país que, não obstante todos os problemas, dá aos seus cidadãos o direito de crerem – ou não crerem – no que quer que seja.

Isto se chama democracia, criada na Grécia de outrora, quando nem Cristo havia vindo ao mundo. Percebe como o fanatismo é um paradoxo em si próprio?

 

Dialética: O livro é acessível para leitores com diferentes níveis de conhecimento sobre o assunto?

 

Leôncio: O livro é a todos acessível, pois utilizo uma linguagem clara e ao mesmo tempo concisa.

 

Dialética: À luz das discussões sobre violência religiosa e ideológica no livro, como você vê a importância desses temas para a compreensão não apenas do passado, mas também para a compreensão dos desafios contemporâneos que a sociedade enfrenta?

 

Leôncio: Como eu disse mais acima, nada é absoluto. Portanto, se não há nenhuma prova de algum estado de consciência “post mortem”, nada ganhamos nos digladiando por religiões ou ideologias.

Só quem ganha são os que estão no Poder, que usam tais cisões para estabelecer Estados de exceção – constitucionais ou extraconstitucionais – e, assim, se perpetuarem, ameaçando milhões: Hitler usou os judeus como bodes expiatórios da crise vivida pela Alemanha, e, quando se elegeu chanceler federal (ele não chegou ao Poder por meio de um golpe, mas democraticamente, pasmem! Veja os desdobramentos do fanatismo e da inconsequência política…) acabou com a República de Weimar, iniciando um regime de terror, infelizmente apoiado por uma população com um dos níveis culturais e científicos dos mais altos.

Até há pouco tempo, havia o Osama Bin Laden, que não se explodia, mas mandava os outros se explodirem, o que evidencia não apenas hipocrisia, mas dúvidas sobre a crença no que ele próprio dizia crer. Portanto, irmãos, não nos autodestruamos: desfrutaemos do que a vida tem de melhor, que é a fraternidade entre iguais, não importa o espectro político ou religioso.

 

Dialética: Em termos de publicação do livro e questões editoriais, como foi a experiência de publicar sua pesquisa como livro? 

 

Leôncio: Sou muito grato à Dialética por esta oportunidade de por ela publicar. Fui inicialmente contatado pela Helena Carelli, a quem sou imensamente grato, e já tenho outros dois textos aprovados para publicação, sobre Direito.  É um imenso prazer trabalhar convosco.

 

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